Entrevista a Lionel Shriver (escritora): "Todos nós vivemos vidas secretas"
Na primeira página do romance, a personagem Eva Katchadourian refere Lisboa como um lugar exótico, a par de Katmandu. Enquanto jornalista, viajou por muitos países, viveu muitos anos fora da América. Lisboa é para si um lugar exótico?
Estive em Lisboa e adorei. Para mim, é uma cidade exótica. Fiquei especialmente atraída pela arquitectura e passei a maior parte do tempo simplesmente a caminhar e a abrir a boca de espanto diante de toda aquela azulejaria...
Este foi o seu sétimo romance e só à sétima vez obteve o reconhecimento. Mas antes foi rejeitado por cerca de 30 editoras. Atribui isso ao tema?
Este romance é sobre uma mulher que não ama o filho. Com isso quebra um dos últimos grandes tabus. Não me surpreendo que tantos editores tenham sido avessos a comprar o romance. Fico, sim, surpreendida com o facto de ter vendido tão bem. Acho que as vendas de Temos de Falar sobre o Kevin revelam um nível de leitores sofisticado, sobretudo na Austrália e no Reino Unido, onde os compradores de livros não querem apenas leitura fácil mas exigem complexidade.Incrivelmente, apesar de estar obrigada a falar tanto do livro, ainda não o odeio. Continuo a pensar que é um romance bastante bom.
O livro é a retrospectiva de Eva Katchadourian sobre a vida do seu filho Kevin até ao dia em que ele entrou no liceu e atirou sobre os colegas. O que a levou a escrever sobre este tema?
Um cruzamento entre público e privado. Na esfera pública, surgiram num curto espaço de tempo várias notícias sobre tiroteios em escolas dos Estados Unidos. Parecia uma constante. Dei por mim a ter um ódio pessoal aos perpetradores, cujos motivos pareciam desproporcionados face à sua vingança pessoal. Numa esfera privada, encontrava-me no fim da minha idade fértil e a ter de tomar uma decisão sobre ter ou não uma criança para cuidar. Tive de perguntar a mim própria por que é que aos quarenta e poucos anos continuava sem filhos e a interrogar-me sobre se não seria pelo facto de ter muito medo de os ter.
O tema é controverso: uma mãe confessa o lado negro da maternidade e põe a si própria a questão: "Serei a responsável pelo que o meu filho fez?..."
Essa é a questão que ela levanta e à qual nunca responde, para sua própria satisfação ou para a dos leitores. No fim, acaba por entender que ao longo dos tempos andou a fazer a pergunta errada a si própria. Seja ou não culpa sua, isso não altera os factos. Pode apenas influenciar o presente e o futuro.
A verdadeira questão aqui é: "Por que é que isto aconteceu?" O livro é escrito em função disso e não tanto à volta do suspense que normalmente se associa a um thriller. É assim?
Sim, sabe-se logo o que é que aconteceu no primeiro capítulo. O que não se consegue perceber é porque é que aquilo aconteceu. É um romance sobre um porquê. A percepção que temos de Kevin, como temos de outra pessoa qualquer, a não ser nós próprios, é de fora. Nunca entramos na cabeça dele. Li um artigo quando estava a preparar este romance cujo conteúdo esqueci, mas cuja ideia central continua: "As nossas crianças vivem vidas secretas." De certo modo todos vivemos vidas secretas, mas nos adolescentes a disparidade entre o que pensamos que vai nas suas cabeças e o que realmente se passa pode ser drástica.
Disse que chorou quando terminou o livro. Porquê?
Ao longo de 400 páginas estas personagens, Eva e Kevin, combateram-se. Finalmente há um momento de contacto, uma pequena nota de calor numa relação cheia de barreiras. O alívio emocional é enorme, para o leitor mas também para o autor.
O humor ajuda a suportar a dor?
É um mecanismo de defesa quando a vida se desfaz.|